Felicidades e Desejos - Pedro Kupfer

17/08/2014 14:02

Felicidade e Desejos - Pedro Kupfer

"Ouvi esta história no Nepal:
Um jovem cortador de pedra que trabalhava na chuva, pensou: “Sou totalmente limitado e insignificante. Queria me sentir melhor, ser diferente. Esta chuva é realmente poderosa. Como gostaria de ser chuva, para me livrar desta penúria!” Então, elevando os braços ao céu, dirigiu uma prece a Ishvara, que satisfaz todos os desejos, dizendo: “Ó Senhor, torna-me chuva!” Do céu, Ishvara respondeu: “Tathastu! Que assim seja!”

E o cortador de pedra tornou-se chuva. A princípio, sentiu-se muito bem descendo do céu mas, ao perceber que estava indo em direção à terra e que seria absorvido por ela, mudou repentinamente de ideia: “A chuva não é assim tão poderosa. Daqui a pouco, desaparecerei para sempre no chão. A rocha é de fato realmente poderosa.” Então, dirigindo-se novamente a Ishvara, pediu: “Ó Senhor, torna-me rocha!” Ouviu-se do céu “Tathastu! Que assim seja!”, e a chuva tornou-se rocha."

Como rocha, ele se sentiu muito satisfeito, firme e poderoso. Ficou nesse estado por muitos e muito anos. No entanto, um dia começou a sentir os golpes de um martelo e um cinzel cortando seu corpo. Deu-se conta que um cortador de pedra havia se instalado sobre ele e estava pacientemente cortando seu corpo em blocos. Reconheceu, nesse momento, que aquele
homem era de fato muito mais poderoso que a rocha.

Não demorou muito para mudar de ideia em relação a ser rocha e pediu: “Ó Senhor, transforma-me num humano!” Com a paciência infinita que somente os deuses sabem ter, Ishvara aquiesceu: “Tathastu! Que assim seja!” 

Repentinamente, o cortador de pedra viu-se assumindo novamente sua forma humana, realizando a mesma tarefa, exatamente no lugar onde tinha feito o primeiro pedido."

Dentro da tradição do Yoga, histórias como esta têm sido utilizadas para ensinar e transmitir valores. O homem que se transforma em chuva e depois em pedra exemplifica a busca incessante pelo prazer ou a segurança, que é o motor dos desejos.O grande problema.
O ser humano tem um problema que meu mestre, Swami Dayananda, gosta de chamar “o problema fundamental”.

Esse problema é a matriz de todas as formas de sofrimento, e consiste na incapacidade de nos ver como pessoas felizes ou plenas
Quando me olho no espelho, não vejo um ser tranqüilo e satisfeito, mas alguém que está em constante desassossego e que acredita que a felicidade se conquista satisfazendo desejos.

O cortador de pedra começa e termina sua jornada no mesmo lugar.
Da mesma maneira, quando corremos atrás dos desejos, estamos fazendo um movimento aparente em direção à felicidade mas, em verdade, não saímos
do ponto em que estamos, já que a ansiedade de conseguir o que se quer é substituída por outras emoções igualmente paralisantes, como a preocupação
em manter ou o medo de perder o que conseguimos.Os desejos são a força que motiva as ações. 
Não há nada de errado em satisfazê-los, desde que saibamos que a nossa felicidade não depende disso. A satisfação dos desejos nos dá uma certa paz. 
 
  • Mas uma paz que, infelizmente, não dura muito. 
É preciso quebrarmos o impulso de viver satisfazendo os desejos, justamente lembrando que nos já somos a paz e a felicidade que buscamos na satisfação dos desejos.
Caso contrário, estaremos sempre buscando nos tornar algo diferente daquilo que somos, como o cortador de pedra. 
 
O yogi sabe que a felicidade não depende de satisfazer desejos. Não obstante, ele não foge à ação. É preciso estarmos conscientes de que as 
nossas vontades podem nos escravizar se não soubermos quem realmente somos. É bom lembrar que estar consciente não é policiar-se continuamente, 
mas identificar as reações automáticas antes delas se manifestarem para evitar seus frutos indesejáveis.

Desejar objetos não é um problema em si mesmo. A busca do prazer ou a satisfação dos desejos não é um problema. Colocar a satisfação dos desejos como única fonte da felicidade é o verdadeiro problema. 

Naturalmente, os seres humanos somos inclinados à busca do prazer, do conforto e da segurança. O problema começa quando acreditamos que a satisfação dos desejos é a solução para encontrar a felicidade. 

O Yoga nos ensina que os objetos de desejo não podem ser um meio para a felicidade.

Ciente de que nem sequer possuo o meu próprio corpo e de que não tenho nenhum controle sobre ele, vivo em estado de contentamento. Posso constatar que o meu cabelo cai quando ele decide cair, que o meu fôlego se perde quando ele acha por bem se perder e que o meu corpo envelhece, mas estou em paz. Livre da ideia do ego, tenho uma visão maior de mim mesmo. 

Livre dessas noções errôneas, livre das idéias de “eu” e “meu”, vivo em paz. 
É preciso descobrir que nós já somos paz e tranquilidade."
Pedro Kupfer em Felicidade e Desejo

 

 

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