AS 8 PÉTALAS DO YOGA B.K.S. YYENGAR

04/02/2018 00:38

O Ioga tem oito pétalas que se revelam gradualmente ao praticante. Consistem em disciplinas éticas externas (yama), observâncias éticas internas (niyama), posturas (asana), controle da respiração (pranayama), controle e recolhimento dos sentidos (pratyahara), concentração (dharana), meditação (dhyana) e absorção no êxtase (samadhi). Chamam-se pétalas porque se combinam como as pétalas de uma flor de lótus para formar um bonito todo.

À medida em que viajamos pelos invólucros interiores (kosas) do corpo, da pele exterior ao Eu profundo, encontramos e exploramos cada uma das oito pétalas ou estágios da ioga descritos nos Yoga sutras. Para os que buscam a Verdade, esses estágios conservam hoje a mesma importância que tinham no tempo de Patanjali. Não é possível entender e harmonizar os invólucros sem os preceitos e práticas prescritos nas oito pétalas.

A jornada da ioga começa com os cinco mandamentos éticos universais (yama). Dessa maneira, aprendemos a desenvolver controle sobre nossas ações no mundo externo. A jornada prossegue com cinco etapas de autopurificação (niyama). Estas estão associadas ao nosso mundo interno e aos sentidos da percepção e nos ajudam a desenvolver a autodisciplina. Esses preceitos éticos estão sempre presentes, do início ao fim da jornada iogue, pois a realização espiritual de uma pessoa se revela na maneira como ela age e interage com seus semelhantes.

Antes mesmo de alcançar a liberdade suprema, que é o objetivo da ioga, experimentamos um gradual aumento de liberdade à medida que vamos conquistando maior autocontrole, sensibilidade e consciência que nos permitem viver a vida que aspiramos. Uma vida de decência, de relações humanas honestas e transparentes, de boa vontade e camaradagem, de confiança e autoconfiança, de alegria pela felicidade alheia, de equanimidade diante de nossos infortúnios. De um estado de bondade humana, podemos progredir para uma liberdade maior. Na dúvida, confusão e vício, não. O progresso na ioga é de ordem ética, não por uma questão de juízos, mas por razão prática. É quase impossível saltar de "mau" para "melhor" sem passar pelo "bom". Além disso, conforme a ignorância retrocede, o "bom" se torna um lugar infinitamente mais confortável que o "mau". O que chamamos de "mau" é ignorância no agir e, como estratégia de vida, só floresce na escuridão.

A terceira pétala da ioga é a prática das posturas (yogasanas). O ásana conserva o vigor e a saúde do corpo, sem o que são poucas as chances de progresso. O ásana também mantém o corpo em harmonia com a natureza. Todos sabem que a mente afeta o corpo. Por que não tentar, sugere a ioga, fazer o contrário - acessar a mente por meio do corpo? "Queixo erguido" e "Ombros para trás, postura ereta" expressam esta abordagem. O aprimoramento pessoal pelo ásana é o grande portão que conduz aos recintos internos que precisamos explorar. Em outras palavras, vamos tentar usar o ásana para esculpir a mente. Precisamos descobrir qual é o anseio de cada invólucro da existência e nutri-lo de acordo com seus apetites sutis. Afinal, é o kosa interior, mais sutil, que sustenta as camadas exteriores. Por isso dizemos na ioga que o sutil precede a matéria. Mas a ioga também diz que devemos lidar primeiro com o exterior, ou o mais manifesto - isto é, pernas, braços, coluna, olhos, língua, tato -, para desenvolvermos sensibilidade ao movimento interno. É por esta razão que o ásana abre todo o espectro de possibilidades da ioga. Não pode haver realização espiritual e existencial sem o suporte do veículo encarnado da Alma, o corpo de carne e osso, desde os ossos até o cérebro. Se tivermos ciência de suas limitações e compulsões, poderemos transcendê-las. Todos têm alguma percepção do que é o comportamento ético, mas devemos cultivar a mente para chegarmos aos níveis mais profundos de yama e niyama. Necessitamos de contentamento, tranqüilidade, serenidade, altruísmo, qualidades que precisam ser conquistadas. E é o ásana que nos ensina a fisiologia destas virtudes.

A quarta pétala da ioga diz respeito às técnicas de respiração ou pranaiama (prana, energia vital ou cósmica; ayama, extensão, expansão). O alento é o veículo da consciência. Por meio de sua observação e distribuição lenta e regulada, aprendemos a deslocar nossa atenção dos desejos externos (vasana) para uma percepção perspicaz e inteligente (prajna). Como a respiração acalma a mente, nossas energias ficam liberadas para se separarem dos sentidos, para se voltarem para dentro e para se lançarem na busca interior, com uma consciência mais aguçada e dinâmica. O pranaiama não se realiza com o poder da vontade. É preciso seduzir, cortejar a respiração, do mesmo modo que se faz com um cavalo selvagem - sem caçá-la, mas permanecendo quieto, com uma maçã na mão. É assim que pranaiama nos ensina a humildade e nos liberta da cobiça ou do anseio pelos frutos de nossas ações. Não se pode forçar nada, a receptividade é tudo.

O recolhimento dos sentidos na mente (pratyahara) é a quinta pétala da ioga, também chamada de eixo da busca interior e exterior. Infelizmente, usamos mal os sentidos, a memória e a inteligência. Deixamos que suas energias potenciais fluam para fora e se dispersem. Queremos alcançar os domínios da Alma, mas nos vemos diante de um constante cabo-de-guerra. Não vamos nem para dentro e nem para fora e isso esgota a nossa energia. Podemos fazer melhor.

Quando os sentidos da percepção se voltam para dentro, experimentamos o controle, o silêncio e a quietude da mente. Esta capacidade de aquietar e aos poucos silenciar a mente é essencial não apenas para a meditação e a jornada interior, mas também para que a inteligência intuitiva funcione de maneira útil e benéfica no mundo externo.

As últimas três pétalas ou estágios são concentração (dharana), meditação (dhyana) e absorção completa (samadhi). As três constituem um crescendo, a ioga da integração final (samyama yoga).

A primeira etapa é a concentração. É tão fácil traduzir dharana como concentração que muitas vezes nem fazemos caso do seu significado. Na escola aprendemos a prestar atenção, mas não é isso que se refere a concentração na ioga. Quando vemos um cervo na floresta, não dizemos "veja, ele está se concentrando". O cervo está num estado de completa e vibrante percepção em cada célula do seu corpo. É um engano comum achar que estamos nos concentrando porque fixamos a atenção em coisas instáveis, como uma partida de futebol, um filme, um romance, as ondas do mar, a chama de uma vela (não é constante o tremular da chama?). A verdadeira concentração é um fio de percepção contínuo. Descobrir de que maneira a vontade, trabalhando com a inteligência e a consciência auto-reflexiva, pode nos libertar da inevitável inconstância da mente e dos sentidos voltados para fora é o objetivo da ioga. Aqui o ásana é de grande serventia para nós.

Pense no desafio que o corpo representa para a mente num ásana. Enquanto a face externa da perna se hiperestende, a face interna perde a ação. Podemos escolher permanecer nessa situação ou desafiar o desequilíbrio fazendo uma reflexão motivada pela força de vontade. Ao manter o equilíbrio sem ceder, podemos estender nossa observação para os joelhos, os pés, a pele, os tornozelos, as solas e os dedos dos pés etc. A lista é infindável. Nossa atenção abrange e penetra. Como um malabarista, podemos manter todas essas bolas no ar sem deixar cair nenhuma, sem perder a atenção? Não surpreende que um ásana leve tantos anos para ser perfeito.

Quando se consegue explorar, ajustar e sustentar cada ponto novo, a percepção e a concentração se dirigem simultaneamente a milhares de pontos e, com efeito, a consciência se difunde de maneira uniforme por todo o corpo. É então que a consciência se torna penetrante e abrangente, iluminada por um fluxo dirigido de inteligência, atuando como testemunha transformadora do corpo e da mente. Este é um fluxo de concentração contínuo (dharana) que leva a uma percepção elevada. E a vontade, sempre alerta, ajusta e refina, criando um mecanismo de autocorreção. Assim, a prática do ásana, executada com a participação de todos os elementos do nosso ser, desperta e aguça a inteligência até integrá-la nos sentidos, na mente, na memória, na consciência e na Alma. Os ossos, os músculos, as juntas, as fibras, os ligamentos, os sentidos, bem como a mente e a inteligência, são interligados. O eu é tanto o que percebe como o que faz. Quando uso a palavra "eu" com letra minúscula, refiro-me à percepção total de quem e o que somos num estado natural de consciência. O eu assume, portanto, sua forma natural de consciência. O eu assume sua forma natural sem se dilatar ou contrair. Num ásana perfeito, executado em meditação e com uma corrente contínua de concentração, o eu assume sua forma perfeita, atingido uma integridade impecável.

Um jeito simples de frisar a relação entre o ásana e a concentração (dharana) é o seguinte: se você aprende uma porção de pequenas coisas, um dia acabará conhecendo uma grande coisa.

Em seguida vem a meditação (dhyana). O ritmo da vida moderna impõe uma dose inevitável de estresse. Na mente, esse estresse acarreta perturbações, como raiva e desejo, que, por sua vez, acarretam tensão emocional. Ao contrário do que dizem muitos professores, a meditação não elimina o estresse. Ela só é possível quando já se atingiu um certo estado de "não-estresse". Para isso, o cérebro já deve estar calmo e sereno. Quando se aprende a relaxar o cérebro, pode-se começar a eliminar o estresse.

A meditação não propicia isso. Você precisa alcançar todas essas coisas primeiro para alicerçar a meditação. Sei, porém, que a palavra "meditação" costuma ser aplicada a várias formas de controle e redução de estresse. Neste livro, ela será usada em seu sentido mais puro, como a sétima pétala da ioga, à qual só se pode chegar quando todas as outras fraquezas físicas e mentais tiverem sido em grande parte eliminadas. Em termos técnicos, a verdadeira meditação, na acepção que lhe atribui a ioga, não pode ser praticada por alguém que se encontra sob estresse ou que tem um corpo frágil, pulmões fracos, músculos retesados, coluna envergada, mente flutuante, agitação mental ou timidez. Muitas pessoas pensam que sentar-se quieto é meditação. É um equívoco. A verdadeira meditação nos leva à sabedoria (jnana) e à percepção (prajna), e isso tem o efeito específico do nos ajudar a compreender que somos mais do que nosso ego. Para tanto, precisamos da preparação que nos oferecem as posturas e a respiração, o recolhimento dos sentidos e a concentração.

É por meio do ásana que conseguimos relaxar o cérebro. Geralmente identificamos a mente com a cabeça. No ásana, a consciência se espalha pelo corpo e se irradia para cada célula, criando uma percepção completa. Assim, o pensamento carregado de estresse é esvaziado, e a mente focaliza o corpo, a inteligência e a percepção como um todo.

Dessa maneira o cérebro fica mais receptivo e a concentração se torna natural. Manter os neurônios relaxados, receptivos e concentrados - esta é a arte que a ioga nos ensina. Lembre-se também que a meditação (dhyana) é parte integrante da ioga, não algo separado. Yama, niyama, asana, pranayama, prathyahara, dharana, dhyana e samadhi juntas são as pétalas da ioga. A meditação está em tudo. Todas as pétalas requerem um estado reflexivo ou meditativo.

O ásana e o pranaiama reduzem o estresse que impregna o cérebro. Com o cérebro em repouso, a tensão é liberada. Da mesma maneira, ao realizar os vários tipos de pranaiama, o corpo todo é irrigado de energia. Para praticar pranaiama, é preciso ter músculos e nervos fortes, concentração e persistência, determinação e resistência. Tudo isso se aprende com a prática de ásana. Os nervos relaxam, o cérebro se acalma e o retesamento e a rigidez dos pulmões se desfazem. Os nervos são auxiliados a permanecer sadios. Você imediatamente alcança a unidade consigo mesmo - e isto é meditação.

O astronauta israelense Ilan Ramon, que morreu no acidente com o ônibus espacial Columbia, ofereceu-nos uma perspectiva do que a meditação pode fazer. Após dar a volta no planeta, ele fez um apelo "pela paz e por uma vida melhor para todos na Terra". Ele não foi o único astronauta a experimentar esta visão transcendente. Outros comentaram que, "após ter visto a Terra de um ponto de vista que ofusca as diferenças políticas, as pessoas que viajam pelo espaço compartilham uma perspectiva singular". Contudo, estavam olhando para um planeta onde impera a violência. A expressão bíblica "olho por olho" revela uma filosofia de vingança, não de justiça. Mahatma Gandhi já advertia que, num mundo em que olho por olho é a norma, logo todos ficarão cegos.

Não podemos viajar ao espaço para olhar um planeta em que objetivos humanos comuns podem ser alcançados mediante a cooperação pacífica. Mas, quando vemos fotos de nosso globo azul suspenso no espaço, sem fronteiras nacionais cortando a superfície e o manto branco de nuvens que o envolve, também ficamos tocados pela unidade da Terra. Como então viver esta unidade? A dualidade é a semente do conflito. Todos, porém, temos acesso a um espaço, um espaço interior em que a dualidade e o conflito chegam ao fim. É isto que nos ensina a meditação: a cessação do ego artificioso e o despontar do Eu verdadeiro, unificado, além do qual nenhum outro existe. A ioga diz que a mais alta experiência de liberdade é a Unicidade, a suprema realidade da unidade. Mas não podemos penetrar no interior para experimentar a beatitude imortal sem antes harmonizar os cinco invólucros que encerram a Alma.

O ásana e o pranaiama são o aprendizado para transcender a dualidade. Não só preparam o corpo, coluna e respiração para o desafio da serenidade interior, mas, como explicitou Patanjali, o ásana nos ensina a transcender a dualidade, isto é, o quente e o frio, a honra e a desonra, a riqueza e a pobreza, a perda e o ganho. O ásana nos concede firmeza para viver com equanimidade nas vicissitudes deste mundo em alvoroço. Embora, a rigor, só possamos meditar num único ásana, é possível executar todos eles em estado meditativo e é nisso que se converteu minha prática hoje em dia.

Meu ásana é meditativo e minha prática de pranaiama é devocional. A meditação em si é a conquista e a dissolução do ego, do falso eu, que imita o Eu Real. Quando, pela graça de Deus, um se concilia e transcende a dualidade, a suprema dádiva do samádi pode ser concedida.

No estágio final de samádi (união), o eu individual, com todos os seus atributos, se funde com o Eu Divino, com o Espírito Universal. Os iogues entendem que o divino não está só no céu, mas dentro de nós também e, nessa busca final da Alma, os que buscam se tornam os que vêem. Assim, experimentam o divino no centro do seu ser. Samádi geralmente é descrito como a liberdade final, a libertação da roda do carma, da lei de causa e efeito, de ação e reação. Ele nada tem que ver com a perturbação do nosso eu mortal. Samádi é uma oportunidade de encontrar nosso Eu imperecível antes que o efêmero veículo corpóreo desapareça, como é certo que o fará em obediência ao ciclo na natureza.

Os iogues não permanecem nesse estágio de elevada beatitude, mas, quando retornam ao mundo, suas ações são diferentes. Sabem no íntimo dos seus seres que o divino nos une a todos e que uma palavra ou ação dirigida a outro é, ao fim e ao cabo, igualmente dirigida a si mesmo. A ioga classifica as ações em quatro estágios: pretas, que só trazem más conseqüências; cinza, cujos efeitos são mistos; brancas, que produzem bons resultados; e incolores, em que as ações não acarretam reações. Estas últimas refletem os atos dos iogues iluminados, que agem no mundo sem mais se acorrentarem à roda cármica da causalidade. Mesmo as ações brancas, realizadas conscientemente com boa intenção, nos atrelam a um futuro de colheita de bons resultados. Um advogado que em nome da justiça se empenhasse para salvar um homem inocente injustamente acusado é um exemplo desse tipo de ação. Mas se uma criança estivesse prestes a se lançar na frente de um carro em movimento e você, de súbito, sem nem pensar, a arrancasse do caminho do perigo, seria como a ação de um iogue, ou seja, baseada numa percepção à ação direta, instantânea. Você não se congratularia dizendo: "fui o máximo salvando aquela criança". Você não se veria como o autor da ação, mas antes como o instrumento de algo simplesmente "correto", que existe exclusivamente no momento, sem referência ao passado ou ao futuro.

B.K.S. Yyengar

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